sábado, 8 de setembro de 2012

Reminiscências II

Continuando as lembranças do seu José.
O causo do "Bolinho Titia"
Ainda na infância do seu Zé, morando na chácara, existiam uns parentes da Vó Felicidade que moravam por perto (perto no campo não é que nem na cidade!). Mas enfim.
Vez em quando vinha o filho desses parentes e passava o dia lá. O guri era muito pussuca, pedinchão e por isso amealhou a antipatia dos primos (era sobrinho da vó).
Volta e meia, sabedor que Dª Felicidade fazia uns bolinhos deliciosos, ele chegava na porta da cozinha e fazendo olhos compridos lascava: "Bolinho titia!", e a vó dava um bolinho pro guloso.
Dali cinco minutos tava ele de novo:"Bolinho titia!, e ganhava mais um, e mais um, e mais um.
E assim ia, cada vez que ele aparecia pra visitar. Tio Merico e o pai já estavam por conta com o abusado, vendo a bacia dos bolinhos cada vez mais vazia.
Resolveram dar uma lição no priminho, que, pro causo já tava com a barriga roliça de tanto bolinho titia.
Tio Merico tinha matado um lagarto e tirado o couro pra empalhar, olhando de relance parecia que o bicho tava vivo!
Havia uma varanda, onde todos sentavam à sombra, pra matear, prosear e... comer bolinhos (os que sobraram). Aproveitando um momento em que o priminho foi lá pussuquear mais um bolinho, Tio Merico escondeu o lagarto em baixo da cadeira dele atado a um fio de linha preto, que estendeu até o outro lado e ficou aguardando o incauto chegar, seu Zé e os demais irmãos na expectativa!
Ele veio de lá, faceiro que nem ganso novo em beira de taipa, saboreando mais um daqueles petiscos deliciosos e sentou-se!
Tio Merico disfarçadamente começa a puxar a linha trazendo o lagarto pra perto dos pés do piá, quando tava bem pertinho deu um puxão na linha fazendo o bicho encostar nos pés do guri ao mesmo tempo que gritava: "cuidado, uma cobra!".
Ao sentir o réptil nos seus pés e mais o grito do tio, o piá não teve dúvidas, era uma cobra querendo picá-lo, num prisco tava de pé e saiu em desabalada carreira em direção à casa dele.
Sentiram-se vingados do primo pedinchão e por um bom tempo o "bolinho titia" não apareceu por lá!
 Por falar em cobra, teve uma vez que a Vó Dadade, sozinha em casa com as crianças, matou uma cobra que entrou no paiol à caça de ratos; havia milho estocado e os ratos vinham, atrás dos ratos a cobra. Quando a Vó viu aquele bichão grosso enrolado olhando pra ela, não teve dúvida, catou um porrete e bateu na cabeça do bicho até matá-lo. Depois da cobra morta é que deu a tremedeira!
Nos dias de chuva, os guris não podiam sair então ficavam pelo paiol, pelo galpão, procurando o que fazer. Numa dessas Tio Merico notou que os ratos haviam feito túneis no telhado do paiol que era de capim santa fé! Daí pra imaginar uma arte foi um tapa! Pegou uns arames bem grossos fez dum lado uma ponta beeem afiada, endireitou improvisando uns espetos e convocou seu Zé.
Explicou o plano, eles iam subir no paiol e prestar atenção aos ruidos do deslocamento dos ratos pra localizá-los, então era só espetar por entre o santa fé! Dito e feito! Acharam uma diversão para os dias chuvosos, ficavam lá espetando, vez por outra o guincho de um rato acusava que tinham acertado o alvo, divertiam-se e afugentavam os roedores que vinham roubar os grãos armazenados!
Ainda guri, a pedido do padrinho dele, Tio Américo, seu Zé acabou deixando a chácara e veio morar em São
Luiz Gonzaga onde seria mandalete do padrinho e poderia estudar.
Tio Américo era representante comercial de várias empresas atacadistas e também de periódicos da capital e o seu Zé foi sendo treinado pra fazer a venda das revistas e tirar os pedidos que os varejistas encaminhavam, tudo isso em troca de casa, comida e escola, o que, na época, não era pouco. Ia de porta em porta oferecendo as revistas ( Tico-Tico, Detetive Comics, Gibis, Revista do Clube Militar e outras) e ao fim do dia estava com o bolso cheio de moedas(réis ou merréis), que entregava ao padrinho. Havia um militar que era freguês, comprava revistas caras e pagava à vista; seu Zé gostava de vender pro homem, mas tinha um porém, na casa morava um cão policial enorme e mal encarado. Um dia, tendo chegado da capital revistas novas, seu Zé saiu a distribuí-las aos fregueses habituais. Chegou na casa do militar, chamou, ninguém atendeu, viu que a porta estava entreaberta e resolveu abrir. O cão estava atrás da porta e num upa segurava seu Zé pelo braço com aqueles dentes enormes! Seu Zé gelou, o cão segurava e a cada mínimo movimento rosnava ameaçador, resolveu ficar imóvel e em silêncio, lá pelas tantas a empregada estranhando o silêncio resolveu dar uma olhada e encontrou a insólita cena, seu Zé com um maço de revistas numa mão sendo segurado no outro braço pelo cão. Imediatamente ralhou com o cachorro que soltou o assustado vendedor mirim, pegou e pagou as revistas encomendadas e quando ia agradecer seu Zé já tinha se mandado pra casa!
Outra vez, já mais taludo, repassava o comércio tirando pedidos de secos e molhados, confecções e outros produtos; época de guerra, escassez de alguns produtos o que atiçava a cobiça dos comerciantes por maiores lucros  e  seu Zé chegou num bolichão pronto pra tirar pedido. O bolicheiro pedia e seu Zé anotava, pelas tantas o homem tascou: "tem sal?" (sal nem pra remédio) seu Zé (ignorando a escassez do produto) respondeu: "tem", e o bolicheiro piscando o olho pros circunstantes: " então me mande um vagão de sal". Seu Zé arregalou os olhos, tava feito, ia ganhar um rio de dinheiro de comissão (já ganhava comissão pelas vendas), anotou os demais pedidos e se mandou pra casa! Lá chegando comunicou ao padrinho a espetacular venda que tinha feito! E tio Américo desatou a rir, deixando o noviço vendedor confuso!
Depois de rir bastante explicou, sal está em falta a muitos dias, o bolicheiro sabia e te aplicou!
Seu Zé murchou, não seria desta vez que ia ganhar uma gorda comissão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário