domingo, 23 de setembro de 2012

O Gaúcho Mítico - Por Teobaldo Branco / O Gaúcho Primitivo







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O homem do passado transformado em figura central de um universo lendário onde as aspirações nativistas encontram sua plena realização.

Certa visão antropológica salienta a influência do ambiente natural na formação das mentalidades.
A vida campeira, desprovida dos confortos da moderna tecnologia e eivada de perigos cotidianos, estimulava os valores da coragem e da bravura no universo da estância.
Da mesma forma, as amplidões infinitas dos campos contínuos inspiravam ideias de liberdade.   A planície despovoada determinou o indivíduo social e tornou-se, conforme Regina Zilberman, "um atributo que configura um ideal - o da vida independente, seja enquanto indivíduo, justificando por que o gaúcho é um homem sem família, nem laços afetivos, seja enquanto cidadão, na medida em que o herói sempre está disposto a participar de conflitos armados que tenham como bandeira a manutenção da autonomia política." (ZILBERMAN, 1980, p. 36).
A paisagem natural alimentou no imaginário do gaúcho a ideia de que seu universo era autossuficiente.
O gaúcho sentia-se como se bastasse a si mesmo, porque o meio natural fornecia-lhe tudo o que lhe era necessário à sobrevivência.
A planície também lhe alimentou os ímpetos de ousadia pessoal e a sensação de superioridade em comparação com a mesquinhez cotidiana suportada pelas populações de outros lugares.
Assim forjou-se o mito da democracia rural gaúcha, baseada na suposta igualdade entre peões e estancieiros e na liberdade que regia as suas relações recíprocas.
Supostamente o peão nutria um sentimento de gratidão e lealdade em relação ao estancieiro que lhe proporcionava uma oportunidade de trabalho e moradia fixa e melhores condições de vida para si e sua família.
Diz-se que a identidade regional gaúcha salienta-se no universo étnico e cultural nacional, o tipo humano gaúcho se distingue dos demais tipos brasileiros e torna-se visível onde quer que se confronte com um habitante de outra parte do país.
A condição gaúcha seria vigorosa a ponto de que inspirar motejos, troça do tipo “Onde há dois gaúchos, funda-se um CTG”.
O gaúcho como personagem típico do sul do Brasil derivou, conforme Maria Helena Martins, do “primitivo tropeiro - chefe de preadores e contrabandistas de gado - que passa a proprietário de sesmarias pelas graças da Coroa e força do seu mando e acaba visto, pelos cultores dos pagos, como ‘monarca das coxilhas’, ‘político dos pampas’, quase transformado em figura lendária pelos correligionários e o povo em geral, sob o estímulo do cancioneiro popular" (MARTINS, 1980),.
Hoje, o passado é cultuado com saudosismo como uma realidade para sempre perdida, de quando os ideais do cavaleiro audaz não se haviam corrompido pelos valores típicos da sociedade capitalista de consumo e a paisagem do pampa ainda não se modificara irremediavelmente sob o influxo da mecanização do trabalho rural.
O homem cedeu lugar à máquina, trocou-se o cavalo pelo trator, os peões foram expulsos do campo porque sua força não era mais necessária. Agora, pouca gente basta para tocar a lida diária das fazendas. 
A tendência entre cultores do tradicionalismo gaúcho, de elaborar um conceito mítico do gaúcho do passado, transformado em lenda, figura central de um universo igualmente lendário, onde as aspirações nativistas encontram sua plena realização para rememorar suas raízes culturais tradicionalistas.

O Gaúcho Primitivo PDF Imprimir E-mail
Dom, 16 de Setembro de 2012

A família e o soldado na trágica história de guerra no início da origem nômade do gaúcho.

A Bacia do Rio da Prata era disputada por portugueses e castelhanos. Ali, se situava a fronteira mal definida entre as colônias americanas dos impérios de Portugal e Espanha.
Nos campos do território que mais tarde chamar-se-ia Rio Grande do Sul, os espanhóis introduziram gado bovino, o qual se dispersou e reproduziu-se livremente.
A imagem original do gaúcho está ligada à preação do gado bravio.
O gaúcho era o nômade que perseguia as manadas sem dono para extrair-lhes os couros, os quais eram exportados para o rio Prata.
A terra e o gado eram riquezas disponíveis fornecidas pela natureza. Enquanto não pertenciam nem a Portugal nem à Espanha, vigorou a sanha do gaúcho coureador. Eram mestiços de índios, portugueses e espanhóis e sobreviviam à margem da sociedade civilizada.
O gaúcho primitivo, portanto, era socialmente excluído, não tinha família nem linhagem conhecida e não se vinculava a nenhum projeto de civilização, depois de crescido o homem vivia isolado distante em campo aberto.
Os gaúchos eram homens solitários, destituídos de riqueza material, entregues à própria sorte e ocupados unicamente com a sua própria sobrevivência diária num ambiente primitivo e sem nenhuma comodidade doméstica.
Uma análise psicanalítica de Ana Maria Medeiros da Costa ressalta a ausência da figura simbólica do pai e assim identifica uma perversão original na formação do tipo humano gaúcho (cf. COSTA, 1999, p. 20).
O gaúcho primitivo, portanto, era um individualista irredutível.
Originalmente, o gaúcho ocupava-se com a rapinagem das riquezas da terra tanto em tempos de guerra quanto na paz.
Naqueles tempos, o gaúcho era carente de tudo, inclusive de família, por isso desconhecia noções de sociabilidade.
Era personagem trágica de uma história trágica: soldado compulsório arregimentado pelos mandatários do momento à revelia da sua vontade, “bucha-de-canhão”, massa de manobra dos caudilhos locais, presa de guerra destinada à degola ou algoz embrutecido e politicamente inconsciente que degolava seus semelhantes, gaúchos como ele, a mando do seu chefe militar.
Essas são noções mais verossímeis que quaisquer versões românticas e grandiloquentes que se construam em torno do verdadeiro perfil psicológico e social do gaúcho primitivo.
Na origem da formação social gaúcha encontra-se a figura autoritária do estancieiro, o latifundiário, dono exclusivo de terrenos sem fim e dono presumido dos corpos e das almas de seus agregados.
Os gaúchos eram seus peões na paz e seus soldados na guerra, garantiam a posse da terra para seu patrão e dedicava-lhe lealdade canina, quem sabe inspirada na ausência de opção.
Ao gaúcho pobre não restava senão aderir à empresa do estancieiro, porque a alternativa era evadir-se campo afora onde lhe aguardava a morte pela fome ou por emboscada.
Às mulheres dos gaúchos pobres cabia procriar os peões e soldados do futuro, os quais repetiriam a invariável tragédia de seus ancestrais.
Precisavam aturar diariamente a solidão, o cotidiano mesquinho e o temor pela perda de seus companheiros, filhos e parentes ceifado pela guerra, quando elas próprias não eram vítimas fatais dos soldados inimigos.
A sorte cultural das origens era ser peão e soldado para sobreviver e garantir a demarcação dos limites territoriais do estado do Rio Grande do Sul.
Hoje se comemora um passado simbólico, quase lendário, porque o contexto do mundo real  mudou, mas as raízes culturais do gaúcho são inesquecíveis.'

2 comentários:

  1. - Prezado Marcos!

    Sinto-me gratificado ao perceber seu interesse por temas que abordei sobre a história cultural do Sul.
    Temos algo em comum gostar da pesquisa sobre nossas origens.
    Vitor Hugo diz: O que arrasta o mundo não são as máquinas, mas são as ideias.

    Um abraço de amigo

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    1. Gostei dos seus textos porquê desmistificam aquela imagem romântica do gaúcho, que os nativistas gostam de cultuar. Não tenho vergonha de dizer que tenho orgulho de minhas raízes missioneiras, mas longe de mim me iludir que os gaúchos primitivos eram heróis guerreiros, como você mesmo esclarece com tanta propriedade.
      Abraço amigo.

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