sábado, 25 de agosto de 2012

Reminiscências

Eu me lembro....
Meu pai lembrava, agora não lembra mais. Suas memórias esfumaçaram, já não conta repetidas vezes as histórias das pescarias e caçadas, primeiro começou a confundir as histórias, uma se metendo no meio de outra, os personagens se misturando, o filho(eu) entrando em pescarias onde nem era nascido. Calou-se, o Alzheimer dominando o agora corpo frágil de ancião, a falta de forças se ampliando, arrastando os pés, só não esqueçe do seu chimarrão, isto pra ele é sagrado.
Ele esquece, mas vou tentar lembrar as histórias, pra preservar o que puder da sua vivência neste mundo.
Guri, viviam na chácara de propriedade de meu avô, João Castilhos da Fontoura e de minha avó Felicidade Silva da Fontoura. Meu avô plantava, tinha umas vaquinhas,porcos e galinhas  pra subsistência e comerciava, de carreta, o excedente. Viagens longas, demoradas, e quando voltava, saudade grande apertando, mais um filho encomendavam.
O tio Merico (Almerico) e o José (ou Noé, como a vó chamava ele) eram encarregados de uma serie de tarefas na chácara, o vô chamava o pai e meu tio e dava as ordens pro dia, e ai deles que não cumprissem à risca!
Mas tinha um porém, Merico era o sujeito mais "arteiro" que o pai conhecia, além de ser mais velho.
E o pai, tomando mate conosco, contava as artes do tio Merico; " o mangueirão dos porcos ficava numa baixada e a roça mais para cima, o vô Guta (esse era o apelido de meu avô) mandou os dois colherem umas morangas, picarem pra dar pros porcos, mas, tio Merico teve uma idéia (genial segundo ele) colheram as morangas e largaram rolando barranco abaixo e elas se espatifaram já dentro do mangueirão e tio Merico, divertido, ria a mais não poder."
Outra vez tio Merico, convidou o pai pra irem pescar no rio Piratinim, que passava pela propriedade, muniram-se de iscas, caniços, facão e se foram, detalhe o Piratinim é um rio fundo e correntoso.
Chegando lá, pescaram um pouco e o tio embestou de atravessar pro outro lado, porém ali era fundo e tinha uma correnteza forte, o pai não nadava direito refugou, tio Merico não sabia nadar, mas deu a idéia de fabricarem uma jangada. Convencido pelo tio partiram pra execução da obra, com o facão cortaram uns bambus e cipós, mais uns galhos secos e montaram a traquitana, a aparência era horrorosa e a  segurança pouco mais que zero. Colocaram aquela coisa na água e seu José subiu nela, equilibrando-se precáriamente numa das extremidades pra dar lugar pro tio Merico, nisso o tio deu uma gargalhada e se jogou de cima do barranco na outra extremidade, o tio Merico era mais velho e mais encorpado, e o magrinho José foi primeiro arremessado pelos ares e depois nas águas caudalosas do Piratinim, assustado, a adrenalina a mil, num vu tava no barranco depois de nadar e beber bastante água.
Indignado, tremendo pelo susto, meio engasgado e agarrado numa raiz, sua primeira reação foi cobrir o sacana de tudo quanto era nome feio que sabia! Enquanto isso, com o golpe que levou, a jangada improvisada se desmanchou e tio Merico afundou que nem um prego. Voltou à tona, puxou um ar com força e quá, quá, quá, gargalhou, antes de afundar de novo, voltou a tona e puxou um ar com força e quá, quá, quá, de novo afundou. Aí o pai viu que ele ia se afogar rindo ou morrer de rir se afogando e resolveu ajudá-lo a sair da água, pegou o bambu que ia servir de varejão e estendeu pro sorridente afogado. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Outra vez, vô guta mandou os dois arrearem a Chinita, uma égua velha que eles tinham e mais um outro cavalinho pra trilharem  feijão no pátio. Estenderam a lona trouxeram o feijão colhido e empilharam em cima até a altura dos joelhos, depois trouxeram os animais e começaram a trilhar (andar em cima do feijão, as patas dos cavalos fazendo o papel de debulhar as vagens e compactar a palha dos pés de feijão). A única coisa ruim desta tarefa era quando o animal estercava, tinha que parar tudo, tirar o esterco com todo cuidado pra não misturar com os feijões, então pra não ter esse trabalho eles cuidavam quando o animal fazia menção de urinar ou estercar, retiravam-no rápidamente de cima do feijão pra depois recomeçar normalmente. Até que a Chinita, conduzida pelo tio Merico estercou em cima do feijão e como era ele que estava conduzindo, cabia a ele retirar a bosta toda. O tio pegou com todo cuidado aquelas bolotas, verdes, fumegantes e cheirosas, deu uma olhadinha pro pai, que sentindo a maldade do lance tentou correr, mas não deu tempo! Foi atingido pelo projétil mole e malcheiroso bem na orelha, encheu a orelha! Indignado, não podia bater no outro, mais velho e maior, correu até a porta da casa e entregou o malfeitor às autoridades competentes! Mostrou pro vô a prova do crime, a orelha cheia de caca.
Resultado, tio Merico teve que trilhar sózinho o resto do dia enquanto o pai, na sombra, comendo bolinhos feitos pela vó, ficava rindo.
Da esquerda pra direita, Paulo, vô José, vó Noemi, e Loli
O vô Guta havia comprado uma junta de bois de um alemão velho, que morava nas redondezas, certa feita iam ele e o pai, levando um tronco enorme de madeira de lei para fazer tábuas e barrotes numa serraria.Haviam atrelado os bois, retiraram a caçamba da carroça, puseram um eixo na frente e outro no fim do tronco, de forma a transportá-lo com facilidade, seu José, a cavalo no tronco divertia-se com a viagem. Porém tinham que passar em frente a propriedade desse alemão velho. Quando os bois chegaram em frente à propriedade, reconheceram a querência velha e, numa guinada brusca, desembestaram em direção à casa do alemão. Com a guinada a carroça improvisada capotou e lá se foi seu José pelos ares de novo! Como não tinha água pra amortecer o choque, tombo feio, seu José quebrou o braço!
O alemão acalmou os bois, e depois socorreu o menino. A alemoa velha, pra distrair a dor do braço quebrado, trouxe uma fatia de pão caseiro, com uma grossa camada de "schmier" e nata que meu pai aceitou e quase nem viu o puxão que deram pra colocar as canas quebradas no lugar. Com umas taquarinhas  fizeram as talas, amarraram firmemente com umas tiras de pano e pronto! Tava consertado o braço.
Quando o vô Guta carneava gado, salgava e estendia o couro pra depois vender. Uma ocasião, tendo alguns couros prontos, mandou tio Merico entregar pra um vizinho que estava juntando pois um comprador ia lá buscar. O tio amarrou os couros com uma corda, e saiu arrastando aquilo pelo corredor, não sem antes ouvir a recomendação do velho Guta: "Quando vir outro cavaleiro, você pare e não volte a arrastar esses couros até ele passar!"
Mas tio Merico era medonho, no corredor arrastando aquele barulhento objeto, avistou vindo em sentido contrário, um vizinho montado num bonito tordilho passarinheiro. Num relance avançou mais um pouco e parou, bem perto de um local cheio de caraguatás na beira do corredor. Esperou o vaqueano chegar bem pertinho, o tordilho andando meio de lado, já de olho naquele estranho objeto no chão, comprimentou respeitosamente o homem mais velho e quando estavam lado a lado, deu uma arrancadinha pra frente! Os couros se mexeram e fizeram um barulhão, o cavalo empinou e jogou o gaudério lá no meio dos caraguatás! Tio Merico apeou e correu socorrer o homem todo lanhado pelos espinhos e brabo pelo tombo. Vou contar pro seu pai menino, esbravejou o cidadão e partiu a trote em direção à casa do vô Guta.

domingo, 12 de agosto de 2012

Dia dos Pais

Eu com meus filhos e a neta  nas férias em POA,, aos 58 anos.
Seu José com os filhos aos 85 anos

Seu José com alguns dos netos