sábado, 3 de maio de 2014

Recordações

A rua não tinha calçamento e não havia água potável. No inverno, com as chuvas tinhamos que caminhar no barro vermelho até a escola, nada ficava limpo e só podíamos brincar na área coberta de maneira a não nos sujarmos mais ainda. A água buscávamos em um poço, lomba abaixo, perto da sanga, a uns 200metros de casa. Eram muitas viagens com um latão( aqueles galões de lubrificante de caminhão areados até brilhar) em cada mão pra abastecer todo o serviço da casa, lavar roupas,cozinhar, banho, lavar louça, lavar a casa e calçadas. Algum tempo depois o pai pagou um sujeito para aprofundar um poço escavado, mas que não dava água nenhuma. Mais uns cinco metros de escavação na tabatinga e verteu uma água salobra, pouca, mas diminuiu o nosso sacrificio!
A casa, de madeira, de 4 peças foi ampliada pelo pai acrescendo um quarto para nós os 3 guris e um banheiro dentro de casa; o chuveiro era daqueles antigos, semelhante a um regador, com uma cordinha que puxávamos para derramar a água (temperada a propósito de ficar morna), um luxo invejado pelos vizinhos!

O chuveirinho era semellhante a esse, porém dentro do banheiro!
Nos fundo ficava o galpão, com uma calçada de entremeio, por sobre essa calçada, com pés plantados nas extremidades, ficavam as parreiras, numa ramada que dava cachos enormes de uva branca e preta,  atrás do galpão o galinheiro num cercado com a taquareira ao centro, tínhamos galinhas vermelhas Hampshire e brancas Legorn, as vermelhas pra carne e as brancas poedeiras. No galpão ficava todo o ferramental de manutenção do pátio e da casa. Tudo muito organizado e limpinho. Ali ficavam o machado e as ferramentas de carpir o lote, a bancada e as ferramentas para lidar com madeira que o pai gostava muito.
Lembro de uma ocasião em que o pai comprou ( ou ganhou, sei lá) uma carga de restos de construção, pedaços de tábuas e ripas com muitos pregos de todos os tamanhos. Coube a mim arrancar os pregos com o pé de cabra,  desentortá-los e refazer a ponta no pedaço de trilho. Ao final devia cravar o prego recuperado num pedaço de sebo de gado para ele não enferrujar. Foi tarefa de um ano mais ou menos e resultou em várias latas de pregos de todos os tamanhos, creio que até hoje ainda existam alguns dele no galpão atual.
No fundo do pátio ficava a "patente" (ou latrina), já que o banheiro era só para banho. Aí outra missão dada por meu pai a mim, fazer uma calçada com restos de tijolos quebrados, da casa até lá.
Patente (foto ilustrativa)

Fiz, e até que ficou bem feitinha com tijolos em pé nas laterais, porém, como eu não entendia das engenharias na época, não houve nivelamento do piso e a calçada acompanhou as ondulações do terreno. Não foi eficiente, mas foi eficaz, ninguém mais sujou os pés pra ir fazer o nº1 e o nº2!
Deve ser daí o meu gosto por trabalhar sem chefia em cima, apenas tendo uma missão e usando minha própria capacidade e conhecimentos (e em consequência aprendendo muito), eu gostava (ainda gosto) destes desafios. Outro desafio; uma vez um cachorro da rua se aquerenciou no porão da nossa casa, bem embaixo do quarto dos piás, e infestou tudo de pulgas e bixos de pé. Era tanta pulga, que quando se entrava no porão, pra buscar a lenha que era guardada ali, as canelas da gente ficavam imediatamente pretas porque os insetos  desesperados de fome atacavam imediatamente. Devidamente abastecido de vários kg de pó de gafanhoto (hexachlorobenzeno, proibido no país ha muitos anos)  previamente adquirido, passei o veneno pelo corpo (naquele tempo nem sabia se podia me intoxicar) e adentrei o recinto,as pulgas pulavam em mim e caiam mortas; fui espalhando  o pó pelo chão, primeiro em pé, depois rastejando até onde pude alcançar, deixei tudo branco! Vitória total! Acabaram-se as pulgas e a coceirinha dos bixos de pé! kkkkkkkkk
O terreno era mais largo que profundo, a casa ficava à direita, cercada por calçada, a patente  na extremidade esquerda  tendo ao lado a gaiola dos coelhos (seis gaiolas, duas a duas, três andares), outra missão minha; alimentar esses bichinhos que roem 24 horas por dia, trabalheira imensa. No centro do pátio três pessegueiros enormes, davam pêssegos branquinhos e muito doces!

Nenhum comentário:

Postar um comentário