A credulidade inocente de boa parte da população usuária das mídias
sociais é um risco e um problema que ainda não foi suficientemente
abordado pela imprensa. Uma postagem absurda em um
blog
(10/5) quase desconhecido espalhou-se pela blogosfera, pelo Facebook e o
Twitter, e quase convenceu muita gente que o governo federal iria
subsidiar garotas de programa em 2 mil reais ao mês. Por alguns dias,
muita gente acreditou que a administração Dilma Rousseff iria pagar
algum tipo de auxílio às profissionais do sexo.
A
Rádio Criciúma
(16/5) comentou o bizarro fato, mas não captou a malícia do autor da
mentira publicada: “Mesmo a ‘notícia’ sendo totalmente descabida e o
blog ser exclusivamente preenchido com textos de humor, muitos
internautas compartilharam nas redes sociais, sem conferir a veracidade,
causando revolta dos indignados – que também não procuraram se
informar, com a suposta ajuda às garotas de programa. Foram tantas
pessoas tomando a informação como verídica que levaram à ira a senadora
petista Ana Rita (PT), do Espírito Santo”.
O problema é que o blogueiro atribuiu a proposta supostamente aprovada no Senado à senadora do PT, que
desmentiu tudo e prometeu colocar a Polícia do Senado atrás do autor da falsa notícia. O diário
Estado de Minas (16/5) e a
Agência Senado
(no mesmo dia) publicaram a notícia. O blogueiro desconhecido, que se
identifica como “Joselito Müller, o homem do jornalismo destemido”
permaneceu altaneiro e desafiador: “Podem processar que eu não tenho
medo”, dizia “Joselito”. Ao mesmo tempo,
desculpou-se à senadora, prometeu revelar seu nome e reconheceu o erro.
Sempre a manter o tom agressivo e desafiador: “Devo admitir, vá lá, que
foi leviano de minha parte atribuir à parlamentar a autoria de um
projeto inexistente.Minha conduta é passível de reparação, caso sua
Excelência queira me processar e, no âmbito do processo, comprove que
sofreu danos em função de meu humilde
post. Redijo o presente
não com escopo de me retratar, mas para expressar minha preocupação com o
fato de que mentiras descabidas, redigidas em linguagem supostamente
jornalística são verossímeis atualmente no Brasil. Isso é um sintoma de
que algo vai mal na política nacional, e demonstra que representantes
dos poderes da República vêm protagonizando atos capazes de deixar o
povo estarrecido. Por isso qualquer absurdo se torna crível no Brasil de
hoje em dia!”
Finge ser semianalfabeto
O blogueiro aproveitou a situação para atacar a atual administração,
que segundo ele é a principal responsável pela disseminação de mentiras
na web. Ele diz-se apartidário e anarquista, mas seu alvo
invariavelmente é o PT nas sandices que publica. O homem é perigoso e
mal intencionado. É, na realidade, um elemento nocivo ao trabalho de
todos os blogueiros políticos sérios que existem no Brasil. Seu blog é
um espaço para piadas e brincadeiras de péssimo gosto e inclinações
fascistoides. E registra imensa disseminação a partir dele da informação
falsa no Facebook e no Twitter.
Quem partilhou aquela imensidade de informação falsa na web agiu com
ingenuidade perigosa. E acabou como piada para o blogueiro
não-identificado, que debochou de todos que embarcaram em sua loucura.
Postou insultos e deboches no Twitter sobre todos os que acreditaram
nele. Chegou a enganar algumas rádios do interior do país e muitos e
muitos outros blogueiros, além de publicações de pouca importância.
“Joselito” é uma invenção suspeita: esconde-se atrás de uma alcunha e
de seu blog, que apresenta fotos falsas como sendo suas. A última usada
foi a do falecido ator Warren Oates. O blog mostra ainda um homem
apontando uma pistola em direção de quem lê e uma antiga ficha da
censura dos tempos da ditadura militar. “Joselito” fez questão de
afirmar no Twitter que “não é réu primário” e já cumpriu pena por “por
homicídio e extorsão mediante sequestro com resultado de morte”,
ameaçou. Ele intimida explicitamente quem lhe faz oposição, a menos que
seja uma autoridade. Ele finge ser semianalfabeto, mas quem lê a fundo o
que ele escreve vê que a coisa não é tão simples assim: ele conhece a
lei, e parece usar um português vulgar como instrumento para esconder
sua verdadeira identidade.
“Deficientes cognitivos”
Não é difícil estabelecer um perfil aproximado do “Joselito”:
>> Ele ataca todos os partidos políticos;
>> Proclama-se anarquista, mas isso não é compatível com suas ideias;
>> Tem uma agenda ultraconservadora e uma veia agressiva;
>> Parece também bem sustentado por gente mais poderosa do que o alcance de suas mentiras;
>> Dispara seu fel contra tudo e contra todos;
>> Usa a democracia para desacreditá-la;
>> Segue gente importante no Twitter. De todas as tendências políticas.
Seu perfil sugere conexões com a ultradireita e com os opositores
antidemocratas de um governo democraticamente eleito e bem aceito pela
população. Mas o homem pode muito bem ser um “franco-atirador” a operar
sozinho. Pessoalmente, não acredito nisso, mas é uma possibilidade
concreta.
Joselito
desmentiu
tudo (17/5), quando viu que a coisa estava a esquentar. Mas o fez em
seus termos: entre o material publicável que encontrei ele chamou de
“deficientes cognitivos” todos aqueles que acreditaram em sua postagem, e
depois de desmentir a mesma sobre a senadora e seu suposto projeto de
financiamento a prostituição, publicou uma série de links para
publicações que fazem oposição sistemática ao governo, incluindo algumas
que envolvem a senadora Ana Rita. O blogueiro quase sempre mira o PT em
suas postagens.
Postagem maligna
A “experiência” iniciada por “Joselito Müller” demonstra que grande
parte dos usuários das redes sociais contenta-se em ler a penas os
títulos dos artigos. Depois, se aprovam os mesmos, partilham na mídia
social. Mesmo não tendo tido qualquer contato com o conteúdo da
postagem. Como foi o caso aqui relatado: a postagem falsa era passada
adiante aparentemente sem qualquer verificação ou um mínimo de
senso-comum. Principalmente no Facebook. É o que eu chamo, nas redes
sociais, de “síndrome de incêndio australiano”: a coisa se alastra com
uma velocidade tamanha que pouco há a ser feito. Mas também foi muito
mais do que isto: foi uma tentativa de desacreditar as instituições
democráticas, um governo eleito, a imprensa e o público incauto das
redes sociais que não verifica a autenticidade do que lê e partilha na
rede.
Postagens com as do blogueiro que se esconde atrás do nome “Joselito”
são comuns na web. Ele mesmo confessou que não esperava tanta
repercussão do
post. O aumento das visitas em seu blog foi de
1.700% a partir da postagem sobre a suposta “bolsa-prostituição”,
segundo a Alexa, o site da Amazon que faz a contagem de visitas e
classificação hierárquica dos sites e blogs na web. Antes disso, suas
estatísticas eram nem mesmo registradas pela controladora de
estatísticas na rede. Também podemos suspeitar que uma postagem daquelas
jamais seria tão popular sem a colaboração daqueles que querem a
derrocada deste governo a qualquer custa e qualquer meio, seja ele qual
for. O título era conveniente, e eles o partilharam na web. Sem ler o
que estava escrito. O tiro acabou saindo pela culatra.
O “caso Joselito” serve como alerta contra a excessiva credulidade de
boa parte dos internautas que não conferem nada do que lêem na web: se
está escrito lá, em tom de notícia séria, então é verdade. Grande parte
dos usuários das mídias sociais precisa mudar seu comportamento com
relação ao que compartilha nas mídias sociais. O atual padrão de não ler
(ou ler parcialmente) o conteúdo é irresponsável: nem tudo que é
publicado lá é verdade, e a credulidade de alguns utentes pode ser
manipulada para causar problemas de proporções inesperadas e danos de
grande extensão a sociedade.
Se os cidadãos contemporâneos também são informadores hoje em dia, é
necessário que comecem a comportar-se como gente de imprensa: tudo o que
é lido e partilhado deve ser verificado. Não custa nada, não é difícil e
com apenas alguns cliques uma mentira pode ser desmascarada facilmente.
Em alguns casos não é preciso chegar a tanto: a mentira é tão óbvia que
um pouco de bom senso basta. Joselito debochou do povo que acreditou
nele. Chamou todos de “deficientes cognitivos”. Agora ficou sem apoio e
marcado pelos que foram enganados e ofendidos, os que já desconfiaram
desde o início, e aqueles que tomaram conhecimento do caso e condenaram
sua postagem absurda e maligna.
***
Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor